quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Filosofia em tempo de terror - Diálogos com Habermas e Derrida - Giovanna Borradori

Porto Alegre, 08 de Agosto de 2012.

Olá!
O livro "Filosofia em tempo de terror" , traz diálogos com o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas e o filósofo francês Jacques Derrida, sobre terrorismo e fundamentalismo.
A filósofa italiana Giovanna Borradori fez entrevistas separadas com Habermas e Derrida, acerca destes temas, tão em voga nos dias atuais.
Abaixo reproduzo uma entrevista com Jacques Derrida sobre tolerância e hospitalidade.


O artigo “Tolerância” do Dictionnaire philosophique é um tour de force, uma espécie de fax para o século XVIII. Contém tamanha riqueza de exemplo históricos e análises, tantos axiomas e princípios, que exigem hoje reflexão, palavra por palavra. No entanto, essa mensagem, por sua vez, levanta muitas perguntas.
Teríamos de ser extremamente vigilantes, parece-me, ao interpretar essa herança. Eu ficaria tentado a dizer “sim e não” a cada frase, “sim mas não”, “sim, embora talvez”, prestando juramento sob uma forma que não é outra senão aquela dos apóstolos cristãos, dos discípulos, ou dos quacres: “Os apóstolos e os discípulos”, escreve Voltaire, “juravam por sim e não; os quacres não irão jurar de outra forma.” A palavra “tolerância” é antes de mais nada marcada por uma guerra religiosa entre cristãos, ou entre cristãos e não-cristãos. A tolerância é uma virtude cristã ou, por isso mesmo, uma virtude católica. O cristão deve tolerar o não-cristão, porém, ainda mais do que isso, o católico deve deixar o protestante existir.
Como hoje sentimos que as reivindicações religiosas estão no coração da violência (a senhora vai notar que continuo dizendo, de maneira deliberada e genérica, “violência”, para evitar as palavras equívocas e confusas “guerra” e “terrorismo”), recorremos a essa boa e velha palavra “tolerância”: que muçulmanos concordem em viver com judeus e cristãos, que judeus concordem em viver com muçulmanos, que os crentes concordem em tolerar os “infiéis” ou “descrentes” (pois esta é a palavra que “bin Laden” empregou para denunciar seus inimigos, em primeiro lugar os americanos). A paz seria assim a coabitação tolerante.
A tolerância é na verdade o oposto da hospitalidade. Ou pelo menos o seu limite. Se alguém acha que estou sendo hospitaleiro porque sou tolerante, é porque eu desejo limitar minha acolhida, reter o poder e manter o controle sobre os limites do meu “lar”, minha soberania, o meu “eu posso” (meu território, minha casa, minha língua, minha cultura, minha religião etc.). Em acréscimo ao significado religioso de cuja origem acabamos de lembrar, deveríamos também mencionar as conotações biológicas, genéticas ou organicistas. Na França, a expressão “limite da tolerância” era usada para descrever o limiar além do qual não é mais decente pedir a uma comunidade nacional que acolha outros estrangeiros, trabalhadores imigrantes e gente parecida. François Mitterand certa vez certa vez usou essa expressão infeliz como uma palavra autojustificativa de cautela: além de um certo número de estrangeiros ou imigrantes que não compartilha a nossa nacionalidade, a nossa língua, a nossa cultura e os nossos costumes, pode-se esperar um fenômeno natural de rejeição. Eu condenei, na época, em um artigo no jornal Libération, essa retórica organicista e a política “naturalista” que ela tentava justificar. É verdade que Mitterand depois desculpou-se dessa linguagem que ele mesmo considerou infeliz. Mas a palavra “tolerância” colidiu ali contra o seu limite: nós aceitamos o estrangeiro, o outro, o corpo estranho até um certo ponto, e desse modo com restrições. A tolerância é uma hospitalidade condicional, circunspecta, cautelosa.
Um abraço,

Carlos Paredes

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